sexta-feira, 10 de julho de 2009

"Toda a realidade é uma construção"

A declaração bonita aí de cima é do fotógrafo português Edgar Martins. A matéria, retirada do site Público.PT, está aí para a gente dar uma olhada, pois o assunto tem sido recorrente entre fotógrafos em geral. Tem também uma matéria com mais fotos no site da PDN (Photo District News) para quem quiser mais munição para o debate.


Trabalho do fotógrafo português retirado do site do “New York Times"
Edgar Martins: “Sabia que ia desafiar as convenções do jornalismo”
10.07.2009 - 18h30 Ana Machado, com Sérgio B. Gomes

Edgar Martins passou 21 dias a fotografar 19 cidades norte-americanas, a convite da “New York Times Magazine”. O trabalho, com mais de uma centena de fotografias sobre os efeitos da crise económica no país, foi publicado no passado fim-de-semana, em seis fotografias. E retirado na terça-feira depois de um leitor ter identificado nas imagens alterações feitas em computador. Edgar Martins, fotógrafo freelancer português, a viver em Inglaterra, explicou ao PÚBLICO que se trata de um mal-entendido entre o que o jornal queria publicar e aquilo que era a intenção do artista.

Nas fotografias imperam imagens de casas inacabadas, vazio e destruição deixados para trás por famílias e empresas norte-americanas arruinadas pela crise. Mas o que foi detectado por um leitor do Minesotta, programador informático, que confessa nem perceber de fotografia, foi que, em pelo menos um caso, onde se via o interior vazio de uma grande casa em madeira, havia manipulação digital da imagem: um dos lados era literalmente o espelho do outro, uma imagem simétrica só conseguida com recurso a um editor de fotografia, como o conhecido programa Photoshop.

O leitor da denúncia chama-se Adam Gurno e acabaria por ficar famoso depois de ter dado uma entrevista ao blogue “Bloggasm”, de Simon Owens, a contar a sua descoberta. Daí o caso passou para o site “Photo District News”, especializada em informação sobre fotografia. E partir deste site a discussão alargou-se ainda mais na Internet. Os editores da “New York Times Magazine”, que nunca tinham detectado as alterações nas fotografias, não gostaram de saber destas alterações às imagens, até porque o trabalho tinha sido anunciado como puramente documental. E retiraram a fotogaleria do site da revista: “Soubessem os editores que as fotografias tinham sido manipuladas digitalmente e o trabalho não teria sido publicado. Por isso foi retirado”, pode ler-se numa mensagem deixada no lugar do portfólio.

Edgar Martins, vencedor do prémio BES Photo deste ano, responde à polémica: “Já esperava esta discussão, o que não esperava era a forma como aconteceu”, disse ao PÚBLICO. “O problema foi o 'New York Times' ter vendido a história como vendeu”, disse, negando a acusação de manipulação. “Sou crítico do fotógrafo como turista, que produz um trabalho factual, recuso ser um mero intermediário, que dá uma visão fragmentária”, acrescenta o autor, referindo que nunca lhe foi dito que o objectivo era uma abordagem factual, apesar de conhecer “as ansiedades da editora” sobre trabalhos conceptuais que permitem todo o tipo de liberdades estilísticas.

“Sabia que ia desafiar as convenções do jornalismo. Eu não fui para observar, fui para comentar”, admite Edgar Martins que frisa que nunca colocou de lado o uso do computador e que fala de “um desencontro” sobre o modo como cada parte assumiu o ponto de partida para o trabalho.

Edgar Martins reconhece assim que recorreu a um técnico de Photoshop para transmitir intencionalmente a ideia de um mundo paralelo – daí a imagem espelhada que foi detectada. E que isso não se chama manipulação: “Não foi uma alteração para servir a estética. É uma mensagem que eu quero passar da dualidade entre a aspiração e o excesso, a ruína e a decadência”.

O autor, que já falou sobre este assunto com críticos de arte norte-americanos, e que está em negociações para publicar o trabalho integral com uma editora norte-americana, felicita-se sobre a abertura de um debate sobre um assunto que há muito deveria ter sido lançado, sobre o factual e o conceptual na fotografia: “Perguntaram-me se instiguei este debate deliberadamente e eu respondi que não, mas que de certa forma estava à espera dele. E vai prolongar-se. Tenho uma fotografia que mostra um tijolo em cima de uma esponja, que traduz a fragilidade desta situação. Toda a realidade é uma construção”.

4 comentários:

Daniel Tossato disse...

Só não entendo uma coisa, por quê, estes "retoques" tão pequenos??? Ví as outras fotos num site e elas também tem "apenas" pequenos "retoques", quase imperceptíveis, não que isso não seja preocupante, mas achei estranho!!

Leonardo Colosso disse...

No penultimo parágrafo o autor da foto afirma que: "isso não se chama manipulação". Afirma também que não foi uma alteração para servir a estética. Se essa "construção da realidade" não se chama manipulação,e se não foi uma alteração, então que nome podemos dar a esse fenômemo fotográfico ?

Nario Barbosa disse...

Fotografia sempre foi manipulada quando entramos dentro do laboratório fotografico nós ja manipulamos nossas imagens na hora de dar uma queimada ou um contraste ou fazer uma mascara.Hoje em dia todos alteram uma cor um contraste.isso é um caminho de discussão e debate.

Marcello Vitorino disse...

Pois é...soa muito estanho que um fotojornalista tenha que recorrer a uma alteração (ou manipulação?) para ter que transmitir sua mensagem. Um procedimento desse muto provavelmente está mais alinhado à publicidade do que ao jornalismo.
Que a imagem é manipulada desde sempre, assim como tem servido à manipulação de idéias há séculos (mesmo antes da fotografia), não se questiona. Tenho achado esquisito esse tipo de expediente ter sido usado demasiadamente no fotojornalismo, seara onde a erva daninha das armações imagéticas passou a ser combatida eficazmente com o que há de mais belo na fotografia, que é a emoção do instante, do fugaz que se deixa eternizar por uma fração mínima de segundo, instante em que o fotógrafo se deixa atingir - em comunhão - pelo fluxo do universo. Especificidades como essa, praticadas por grandes mestres, é que garantiram à fotografia seu desprendimento de artefato puramente tecnológico. E é justamente desse tipo de postura humilde perante a dinâmica da vida que o pretenso fotógrafo - ou fotojornalista - tem se afastado.
Bom, não à toa temos visto uma fotografia burocrática, pretensiosa e extremamente estéril nas páginas impressas e eletrônicas que insistem em nos bombardear diariamente. E aos poucos vamos nos acostumando, achando a coisa mais normal do mundo um fotojornalista se sentir, antes de tudo, um artista.